Após a leitura de A metamorfose, que me deixou encantada, senti a necessidade de conhecer melhor a obra de Franz Kafka. Por isso, nesse mês também me dediquei a leitura de outro livro bem famoso de sua bibliografia: o sublime Carta ao Pai.
E preciso te contar: que sensação estranha ler uma carta que não foi escrita para você! Ao ler esse livro, senti como se tivesse invadindo a vida de outra pessoa, ao mesmo tempo que fiquei feliz pela oportunidade de entender um pouco mais sobre a mente desse autor. ⠀
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Afinal, Carta ao pai é realmente uma carta escrita por Franz Kafka para seu pai, Hermann Kafka. (Sim! Uma carta de 100 páginas!) Ela foi escrita entre 10 e 19 de novembro de 1919, quando o autor tinha 36 anos, logo após o anúncio do seu noivado, que não agradou muito seu pai.
Mas apesar de ser uma carta pessoal, talvez pela habilidade de escrita do autor, também é possível enxergar o teor literário dessa obra. Kafka se expressa muito bem e acredito que ele consegue transmitir ao leitor exatamente as emoções e sensações que ele gostaria que seu pai sentisse ao ler a carta.
Também preciso registar que li o e-book fantástico disponibilizado pela Editora L&PM Pocket no Kindle Unlimited, do qual sou assinante.
Essa edição conta com a tradução do Marcelo Backes, que também preparou um prefácio incrível, um texto com informações sobre o processo de tradução, um glossário, a cronologia bibliográfica do Kafka e um resumo da biografia do autor. Todos esses textos de apoio me ajudaram a compreender melhor essa leitura.
Enfim, vamos aos comentários sobre essa obra.
Carta ao pai
Diante da negativa do pai em relação ao seu noivado com Julie Wohryzek e de todo o ressentimento envolvido no relacionamento problemático entre ambos, Kafka decide escrever uma carta para Hermann Kafka, com o objetivo de deixar claro a visão do autor sobre o seu pai, como ele o afetava e, quem sabe, tentar melhorar essa relação.
Por isso, nessa carta são descritas várias passagens no qual o autor conta como Hermann Kafka era autoritário, frio e negligente com as necessidades afetivas de seus filhos, a ponto de Franz Kafka se sentir abandonado, desprezado e inferior ao próprio pai. Ou seja, essa relação problemática não era resultado de algum abuso físico, e sim de um abuso psicólogo por parte do pai.
“Tu assumias para mim o caráter enigmático que todos os tiranos possuíam, cujo direito está fundado sobre sua pessoa e não sobre o pensamento. Pelo menos era assim que me parecia.”
Para mim, uma das passagens mais marcantes do livro foi essa abaixo, na qual é possível estabelecer uma relação entre o texto e a obra A metamorfose. Mas ao longo dessa leitura, ainda é possível encontrar referências a outras obras do autor, como O Processo e O Veredicto.
“Pessoas inocentes, ingênuas como, por exemplo, o ator judeu Löwy tinham de pagar por isso. Sem conhecê-lo, tu o comparaste, de modo terrível, do qual já me esqueci, com insetos daninhos e, como muitas vezes aconteceu em relação a pessoas que me eram caras, tu automaticamente tinhas à mão o provérbio sobre os cães e as pulgas.”
Tudo isso reforça a necessidade de Kafka escrever essa carta e explicar ao seu pai como seu comportamento e suas atitudes o marcaram profundamente, ao ponto dessa relação se refletir em todas as suas obras e, é claro, na introspecção e nos eventos da vida adulta do próprio Kakfa.
“Minha atividade de escritor tratava de ti, nela eu apenas me queixava daquilo que não podia me queixar junto ao teu peito.”
O mais interessante é que, em muitas passagens, Kafka também narra momentos que mostra um pai preocupado com a família, reconhecendo o que admira na vida de Hermann Kafka e como o seu exemplo, até mesmo suas atitudes positivas, faziam Kafka se sentir incapaz. Foi por isso, por exemplo, que ele nunca se casou, já que não acreditava que conseguiria ser como o seu pai.
“o casamento está vedado para mim, pelo fato de que ele é precisamente o teu domínio mais próprio.”
Outro detalhe importante é que depois de escrever uma carta tão profunda e cheia de detalhes, Franz Kafka não conseguiu entregar essa carta para Hermann. Ele chegou a mostrá-la pra sua mãe, que disse que seu pai não a leria. Hermann nunca leu nenhum livro de Kafka. ⠀
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No fim da sua vida, Kafka pediu que essa carta, assim como outras de suas obras, fossem queimadas, mas felizmente esse pedido não foi atendido e hoje temos a oportunidade de conhecer sua escrita e genialidade.
Material de apoio
Além dos textos presentes nessa edição da L&PM Pocket, também assisti alguns vídeos que me ajudaram a entender essa carta e o universo literário de Franz Kafka. Por isso, resolvi compartilhar esses links aqui também, caso você queira mais detalhes sobre o assunto.
- Carta ao Pai (Franz Kafka) – Tatiane Feltrin
- Carta ao Pai de Franz Kafka: reconstrução literária de uma infância traumática? – Neuropsiquiatria- Dra.Elisabete Castelon Konkiewitz
- Literature: Franz Kafka – The School of Life
- Essencial Kafka – Rodrigo Gurgel
⠀Leia esse livro
Para mim, Carta ao pai é leitura obrigatória para quem quer entender o pensamento de Kafka e como sua vida se refletiu em sua obra, assim como para aqueles que gostam de estudar relacionamento familiares e seus impactos na vida adulta.
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3 comentários em “Resenha: Carta ao pai, Franz Kafka”