Hoje em dia não somos medidos somente com base nas nossas conquistas materiais, mas também na nossa inteligência, sagacidade, capacidade de ler e reagir às pessoas e situações, e, mais importante, de transformar o que sabemos em algo rentável. Se fazer tudo isso já é difícil para pessoas ditas “normais”, imagina para quem sofre com algum tipo de deficiência intelectual ou mental? A forma como essas pessoas são tratadas é um dos temas desse livro incrível chamado Flores para Algernon.
O livro foi publicado pela primeira vez em 1959 na forma de conto, mas foi transformado em romance em 1966. Naquela época, as pessoas com deficiência sofriam um preconceito ainda maior do que é visto hoje. As famílias tinham vergonha de parentes que sofriam algum tipo de transtorno ou deficiência e simplesmente os escondiam em casa ou os abandonavam.
E toda essa situação se reflete na história desse livro de ficção científica. Através dessa leitura, você conhece a história de Charlie Gordon. Ele tem 32 anos e sofre de uma deficiência intelectual grave. Apesar disso, o maior sonho de sua vida é se tornar uma pessoa inteligente. Por isso, ele aceita se submeter a um experimento inovador e passa por uma cirurgia inédita que pode torná-lo mais inteligente. E por incrível que pareça, a cirurgia funciona. Com o tempo, ele vai se tornando cada vez mais inteligente.
E essa mudança é perceptível na leitura de diversas formas. O livro é escrita na forma de relatórios de progresso, nos quais Charles conta ao leitor tudo o que acontece em sua vida antes e depois da cirurgia. No início, quando ainda sofria de deficiência intelectual, suas frases são mais simples, seus pensamentos mais ingênuos e sua escrita é cheio de erros ortográficos.
Mas a medida que ele vai se tornando mais inteligente, suas frases vão se tornando mais elaboradas, seus pensamentos e comportamento mais complexos, e o texto deixa de ter erros ortográficos.
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O peso da inteligência
Charlie se torna cada vez mais inteligente e dedicado aos estudos. Seu Q.I. vai de 70 a 200 em pouco tempo. Ele chega ao ponto de ultrapassar a inteligência dos próprios médicos e pesquisadores responsáveis pela sua cirurgia, o que abala bastante o ego deles.
Mas essa não foi a única mudança em sua vida. Após a cirurgia, Charlie também perdeu a sua ingenuidade e começou a entender melhor as pessoas. Ele começou a notar como era mal tratado, como as pessoas zombavam e se aproveitavam dele em função de sua deficiência intelectual.
Nesse meio tempo, ele também começou a se recordar de memórias extremamente dolorosas sobre a sua infância e sua convivência com seus familiares. Charlie se lembrou que havia sido abandonado pela própria família, porque não queriam lidar com alguém como ele, com deficiência.
E apesar de sua inteligência, fica claro que seu desenvolvimento emocional não acompanhou essa mudança. Lidar com todas essas lembranças e entender como as pessoas podem ser cruéis, falsas e interesseiras, era muito difícil para Charlie. Ele que queria ser mais inteligente e fazer mais amigos, percebeu que na verdade se sentia sozinho e tinha muita dificuldade para se relacionar com outras pessoas.
Ele sempre foi um ser humano
O mais interessante é que, após a cirurgia, por diversas vezes Charlie lembra que sempre foi um ser humano. Nada justifica o tratamento e a maldade que ele sofria. Nada justificava a forma como os pesquisadores o tratavam, como se fosse uma cobaia, como se antes da cirurgia, ele não fosse uma pessoa com desejos, sentimentos, sonhos e capacidade.
Antes do procedimento, quando era deficiente intelectual, ele ainda era um ser humano. Parece óbvio, mas muita gente parece não se importar ou notar isso. Se isso ainda precisa ser dito hoje, imagina na época que esse livro foi escrito?
Quem é Algernon?
Mas você pode estar se perguntando: se o nome do personagem principal da história é Charlie, então quem é Algernon? Algernon é o nome do rato que também passou pela cirurgia para aumentar a inteligência. Charlie tinha um carinho especial por ele, já que apenas os dois tinham passado por essa experiência.
Foi estudando o comportamento de Algernon que Charlie compreendeu o que aconteceu com ele após a cirurgia e qual seria o seu destino após o procedimento.
Não posso contar o final da história, mas preciso compartilhar que as últimas páginas são muito emocionantes. Terminei a leitura com o coração na mão e cheia de questionamentos sobre o meu próprio comportamento em relação às pessoas ao meu redor.
Vale a pena ler Flores para Algernon?
Flores para Algernon deveria ser lido por todo mundo! Com certeza, esse é um texto fundamental para discutirmos como a pessoa com deficiência é tratada na nossa sociedade, porque a inteligência não deve pautar o valor do ser humano e como as pessoas podem ser cruéis com aqueles que não tem entendimento ou são capazes de se defender.
Não é à toa que esse livro se tornou um clássico da literatura norte-americana e inspirou algumas produções artísticas, como o filme Os dois mundos de Charly.
Uma leitura emocionante que eu recomendo a todos.
Dados Técnicos do Livro:
Autor: Daniel Keyes
Editora: Editora Aleph; 1ª edição (10 julho 2018)
Número de páginas : 288 páginas
Título original: Flowers for Algernon
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