Gato laranja na biblioteca, esperando Rintaro para entrar em um dos labirintos retratados em "O gato que amava livros", de Sosuke Natsukawa.

Resenha: O gato que amava livros, de Sosuke Natsukawa

Sabe aqueles livros que nos fazem refletir sobre nossa relação com a leitura e até sobre o que estamos fazendo com a nossa vida? Pois é, O Gato que Amava Livros se encaixa exatamente nessa categoria (pelo menos para mim).

Escrito por Sosuke Natsukawa, o primeiro autor japonês que leio, o livro pertence ao gênero conhecido como “literatura de cura”, “ficção de cura” ou simplesmente healing fiction.

Isso significa, basicamente, que a obra oferece conforto e bem-estar ao leitor. A história se passa em uma livraria/sebo e aborda temas como luto, solidão e a busca por significado. Tudo isso é apresentado de forma leve e inspiradora, criando uma conexão profunda com quem lê.

Mas, afinal, sobre o que trata O Gato que Amava Livros? Para responder a essa pergunta, vou destacar os principais pontos do enredo e o impacto que eles tiveram em mim.

E tudo começa com o resumo da obra. ATENÇÃO! CONTÉM SPOILERS!

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Capa O gato que amava livros.
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Resumo de O gato que amava livros

O Gato que Amava Livros é uma espécie de fábula moderna, que combina o amor pela leitura com reflexões sobre a vida e as relações humanas. O autor narra a história de Rintaro Natsuki, um jovem introspectivo que enfrenta a dor da perda após a morte de seu avô.

O avô de Rintaro era proprietário da livraria Natsuki, um sebo repleto de livros usados e carregado de memórias. Com sua morte, o jovem precisa lidar com o luto, encarar o fechamento da livraria e se mudar para a casa de uma tia com quem pouco convive.

Diante de tantas mudanças e sem saber como enfrentá-las, Rintaro decide parar de frequentar a escola e se isola ainda mais. Ele é um hikikomori, termo que descreve pessoas que se retiram do convívio social e encontram conforto em atividades solitárias, como a leitura. Esse dilema entre isolamento e a necessidade de conexão é um dos temas centrais da obra.

Tudo muda quando Rintaro conhece Tigre, um gato laranja malhado que é muito mais do que um simples animal de estimação. Tigre é especial — praticamente mágico — e convida o jovem para uma série de “missões literárias”. Juntos, eles devem salvar livros das mãos de pessoas que não os entendem ou os tratam com descaso.

Ao longo de três aventuras mágicas, Rintaro e Tigre enfrentam desafios em labirintos e interagem com personagens que representam questões muito atuais. Por exemplo, pessoas que transformam a leitura em uma competição para ver quem lê mais livros ou os que acreditam que livrarias devem vender apenas títulos rentáveis para as editoras.

No decorrer dessas aventuras, o jovem relembra valiosas lições do avô, descobre o verdadeiro poder dos livros e encontra dentro de si coragem para enfrentar a vida e cuidar de si mesmo e dos outros.

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O que os labirintos nos ensinam?

Rintaro e Tigre, personagens do livro O gato que amava livros, de Sosuke Natsukawa.

Como mencionei, Rintaro e Tigre enfrentam diversos labirintos ao longo da história. Em cada um deles, encontram personagens caricatos que representam ideias ou comportamentos com os quais, aparentemente, o autor não concorda — e eu também não.

Acredito que cada labirinto traz lições importantes, por isso vou abordá-los separadamente nos próximos tópicos.

1º Labirinto

No primeiro labirinto, Rintaro e Tigre encontram o “Aprisionador de Livros“, um personagem que se orgulha de ler mais de 100 livros por mês e afirma ter lido mais de 57 mil ao longo da vida. Para alcançar esses números, ele nunca relê uma obra e mantém uma coleção abarrotada de livros vindos de todas as partes do mundo.

O problema é que ele usa esse histórico e sua capacidade de leitura como uma forma de se considerar superior às outras pessoas. Aliás, ele julga os outros com base na quantidade de livros que leem, e não na qualidade dessas leituras.

Uma pessoa da minha posição deve ler muito mais livros do que o leitor comum. Alguém que já leu vinte mil livros é muito mais valioso do que alguém que leu apenas dez mil. Portanto, por que eu releria o mesmo livro se ainda há pilhas dos que precisam ser lidos?, pergunta o aprisionador.

Você achou esse discurso familiar? Bom, se você acompanha as redes sociais já deve ter percebido que muitas pessoas por trás de perfis do booktok e do bookstagram criam um uma espécie de competição imaginária em que as pessoas são julgadas com base no que leem e no número de livros lidos ao ano.

No entanto, essa mentalidade não é exclusividade da internet. Historicamente, a manutenção de bibliotecas e o acesso à leitura foram privilégios de uma classe dominante. Ler — e ler muito — tornou-se quase sinônimo de status social e superioridade, algo que as redes sociais acabam reforçando.

Mas quem realmente ama livros sabe que isso não faz sentido algum, como Rintaro argumenta na história:

Isto aqui não é uma biblioteca para manter seus preciosos livros. É pra exibir todos os livros que você conseguiu ter; Este lugar todo não é nada além de um showroom.

Os livros têm um poder extraordinário. Mas tenha cuidado. É o livro que detém o poder, não você.

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2º Labirinto

No segundo labirinto, Rintaro, Tigre e Sayo (colega de escola do jovem) enfrentam o “Mutilador de Livros“, um professor ou estudioso que mutila as obras literárias, picotando-as para reduzi-las a uma única frase. Segundo ele, o objetivo é tornar a leitura mais acessível e permitir que as pessoas leiam o maior número de livros possível, de forma rápida e prática.

Dizem que as pessoas não leem mais. Mas isso não é verdade. Elas estão muito ocupadas. Realmente há um limite para o tempo que podem gastar lendo. No entanto, são tantos os livros que as pessoas querem ler. É natural que queiram ser expostas a várias histórias diferentes. Quer ler Os irmãos Karamázov ou As vinhas da ira? Como atender a essa necessidade? O estudioso levantou o queixo duplo. — Leitura dinâmica e uma sinopse. É essa a resposta., afirma o mutilador.

Para mim, a crítica apresentada nesse segundo labirinto complementa a do primeiro. Muitas pessoas querem consumir mais e mais livros, não para aprender, refletir ou se questionar, mas para satisfazer uma necessidade de status ou validação social. Quando não estão dispostas a enfrentar leituras complexas, buscam soluções rápidas e superficiais.

É daí que surgem personagens como o Mutilador e ideias como a “leitura dinâmica”. Contudo, a essência da leitura vai muito além de marcar itens em uma lista ou impressionar os outros. O verdadeiro valor está em absorver, compreender e internalizar o conteúdo.

— Hoje em dia, as pessoas não conseguem mais se sentar e ler um livro. Você não acha que sinopses e leitura dinâmica são o que nossa sociedade moderna exige?

— Eu não sei e não quero saber. Diante da resposta inesperadamente agressiva, o estudioso arregalou os olhos.

A resposta de Rintaro é certeira:

— Eu amo livros, só isso. Rintaro fez uma pausa para olhar para seu adversário.

— Não importa o quanto a sociedade exija isso. Eu sou contra cortar livros.

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3º Labirinto

No último labirinto, Rintaro, Sayo e Tigre encontram o personagem mais desafiador da jornada: o Vendedor de Livros. Ele representa o lado mais mercantilista da indústria editorial — aqueles que enxergam os livros apenas como produtos e priorizam o lucro acima de qualquer outro valor.

É claro que não podemos ser ingênuos. No mundo real, editoras precisam de lucro para se manter. Mas, como o autor sugere, o problema está em focar exclusivamente no dinheiro, sem se preocupar com a qualidade ou a finalidade do que é publicado.

Aqui, na maior editora do mundo, não publicamos livros para informar ou ensinar as pessoas. Produzimos os livros que a sociedade quer. Não nos importamos com questões como mensagens que precisam ser transmitidas, ou filosofia que precisa ser passada para a geração seguinte. (…) no mundo de hoje, as pessoas não têm tempo ou dinheiro para gastar com “grandes obras-primas literárias” ou quaisquer livros longos demais. Mas, ao mesmo tempo, a leitura ainda está na moda. Ela oferece status. Todo mundo quer se gabar de ter lido um livro difícil. Por isso, publicamos nossas obras pensando nas necessidades dessas pessoas.

Concordo com as críticas do autor, mas com uma ressalva: nem todo livro precisa ter um ensinamento profundo ou um enredo complexo. A variedade no mundo literário é importante, e obras mais leves podem ser uma excelente porta de entrada para novos leitores. Afinal, em um cenário onde o consumo de livros está em queda, não há problema algum em diversificar os estilos.

Por outro lado, quando livros são produzidos em série apenas com fins comerciais, sem preocupação com o conteúdo, o impacto a longo prazo para os leitores pode ser prejudicial. Existe uma solução para isso? Não sei, mas concordo com o avô de Rintaro quando ele nos lembra da importância de escolher bem o que lemos.

Meu avô costumava dizer que, uma vez que você começa a pensar em dinheiro, não há fim. Se tem um milhão de ienes, você quer dois. Se tem cem milhões, você quer duzentos. Então é melhor parar de focar o dinheiro e, em vez disso, falar sobre os livros que lemos hoje em dia. Como você, eu acredito que as livrarias precisam ter lucro. Mas eu sei que existem coisas tão importantes quanto ganhar dinheiro.

Uma fala poética e romântica, mas difícil de aplicar no mundo real. Pena que, na prática, as coisas não funcionam bem assim.

O que podemos aprender com Rintaro?

Rintaro e Tigre em imagem de anime, personagens do livro O gato que amava livros, de Sosuke Natsukawa.

Ao salvar livros das mãos de pessoas que os veem apenas como ferramentas ou status, Rintaro reforça que as histórias são vivas e têm o poder de transformar quem as lê. Elas nos conectam a sentimentos, ideias e ao próprio ato de imaginar, algo essencial para alimentar a alma.

Apesar de ser alguém solitário, o jovem também aprende a valorizar as conexões humanas. Ele percebe que compartilhar nossas paixões – como a literatura – pode criar laços e ajudar outros a encontrar sentido em suas próprias vidas.

E o mais importante: Rintaro nos ensina que a vida acontece fora dos livros. Ler é muito bom, é importante, mas viver a vida fora dos quartos, vivenciar nossas próprias aventuras, é fundamental para escrevermos o livro das nossas vidas.

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Minha opinião sobre essa leitura

O Gato que Amava Livros destaca reflexões fundamentais sobre o impacto da literatura em nossas vidas e a importância do equilíbrio entre o mundo literário e a realidade. Além de criticar as práticas contemporâneas de leitura e o mercado editorial, a obra lembra porque devemos preservar a autenticidade das experiências humanas, seja ao se conectar com histórias ou ao viver suas próprias aventuras.

E o aprendizado com Rintaro reforça essa dualidade. Ele é um lembrete de que, embora os livros possam ser poderosos guias e companheiros, é o ato de viver que nos dá material para nossas próprias histórias. A transformação dele de um jovem solitário em alguém que valoriza as conexões interpessoais reflete o poder das narrativas como ferramentas de reflexão e, principalmente, como pontes para novas experiências.

Agora entendo entendo porque esse livro se tornou um fenômeno literário no Japão.

Curtiu essa resenha? Então não pare por aqui! Descubra mais histórias incríveis e reflexões literárias em outros artigos do blog!

Curiosa, apaixonada por livros e completamente consciente de que ainda tem muito a aprender. Aqui, compartilho um pouco desse universo!
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