Resenha: O Mestre e Margarida, Mikhail Bulgákov

O que acontece quando o diabo visita Moscou? É sobre isso que se trata o livro O Mestre e Margarida. Quer dizer, mais ou menos. O livro é uma sátira do que aconteceu na União Soviética durante o período da ditatura de Stálin. Só que nessa história, o diabo e o seu séquito é que são os responsáveis por transformar a cidade num grande pandemônio.

O livro foi escrito entre 1928 e 1940, ano de morte do autor Mikhail Bulgákov. Ele passou 12 anos escrevendo essa história que foi censurada pelo governo soviético e só foi publicada em 1960, no Ocidente, e em 1973, na então União Soviética. O Mestre e Margarida é um dos maiores romances produzidos na URSS e, só por isso, já merecia a leitura.

Mas, ao longo de mais de 400 páginas, essa história complexa e diabólica também tem muitas coisas interessantes para nos contar, como você verá a seguir.

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Como tudo se inicia em O Mestre e Margarida

No livro, o “coisa ruim” é representado pelo Professor Wolland, o mestre ilusionista e especialista em magia negra que quer se apresentar na cidade. Ele foi convidado para visitar Moscou a convite do Teatro de Variedades, muito embora nenhum dos funcionários dessa casa de espetáculos se lembre muito bem das circunstâncias do convite.

Aliás, Woland entra na história de uma maneira bem interessante. Ele interrompe a conversa do escritor Berlióz e do poeta Ivan Nikolaevitch, que estavam discutindo um texto que deveria tratar sobre a figura histórica de Jesus. Berlióz defende a tese de que Jesus Cristo não existiu. E advinha quem entra na conversa para defender e apresentar argumentos sobre a existência de Deus? Isso mesmo! Woland, o próprio diabo.

Afinal, ele testemunhou tudo o que aconteceu com Cristo, especialmente sua crucificação. E aqui precisamos lembrar que, naquela época, a tese ateísta era bastante difundida na União Soviética, especialmente entre os intelectuais.

Após realizar sua defesa, Berlióz e Ivan acreditam que Woland não passa de um estrangeiro louco. Mas após a morte repentina de Berlióz, que ocorreu exatamente da forma que Woland previu, Ivan tenta encontrá-lo, de uma maneira que os outros pensam que ele é que está louco.

Por isso, Ivan é enviado para um hospício – um local bem interessante, eu diria, já que eles tentam controlar essa suposta loucura do Ivan. O problema é que Ivan não está louco, ele está certo. Mas isso não importa, já que a clínica trabalha para fazê-lo acreditar que ele realmente precisa de ajuda.

Nesse hospício, Ivan conhece o Mestre – não, o nome real dele não é revelado – e sua história de amor com Margarida, uma das personagens mais importantes desse livro. O Mestre o ajuda a entender o que tinha acontecido e que, na verdade, Ivan havia encontrado com o próprio diabo. Nesse diálogo você também descobre que o Mestre é o autor da história sobre Pôncio Pilatos e sua atuação durante a crucificação de Cristo.

Pausa para explicar sobre as histórias paralelas

A história de Pôncio Pilatos começa a ser apresentada durante a argumentação de Woland a favor da existência de Jesus. Durante todo o livro, você vai se deparar com textos apócrifos com essa narrativa, em paralelo com a história do Mestre e Margaria e com as peripécias de Woland e seu séquito. É como se existisse um livro dentro de um livro. Parece confuso, mas Bulgakóv amarra muito bem tudo isso, mostrando que todas as partes são necessárias para entender o que o autor deseja transmitir.

Livro O Mestre e Margarida.

Enquanto isso, Woland e seu séquito…

… Estão aprontando todas em Moscou, é claro!

Ao lado dos seus fiéis escudeiros, principalmente de Fagote e do gato falante Behemot, Woland realmente realiza um show de magia negra no teatro variedades. Aliás, Behemot é um espetáculo a parte no meio disso tudo. Ele é o gato mais inteligente e ousado que você já viu. Proporciona várias cenas únicas na trama – e tem muitos fãs por isso.

Inclusive, Behemot também participa do show, que é um sucesso. Os truques de ilusionismo oferecem aos expectadores exatamente aquilo que eles desejam – dinheiro, luxo e crueldade.

O que aparentemente é um show inocente de magia, acaba se transformando em pesadelo para muita gente. O show é alucinante e satânico. As notas de dinheiro que foram distribuídas, por exemplo, eram falsas. As roupas luxuosas entregues para as mulheres simplesmente desapareceram, deixando-as nuas no meio da rua. Tem até gente sendo decapitada no meio do espetáculo!!! Tudo bem que depois o sujeito recupera a sua cabeça – e perde a sanidade mental.

É interessante ressaltar que a maior parte dos integrantes da direção do Teatro de Variedades sofreu algo ruim durante a passagem de Woland pelo local. Um desapareceu, outro pegou o primeiro trem para fugir de Moscou após um episódio assustador, e outro virou um morto-vivo depois de ter contato com uma vampira – ou algo assim.

Na verdade, por onde Woland e seu séquito passam, coisas ruins acontecem.

Outra passagem sensacional proporcionada por Woland e seus seguidores, é a realização de um baile bem peculiar, repleto de pessoas que já morreram e que realizaram, em vida, coisas horríveis e odiosas. Para esse baile, ele convida Margarida, que aceita de bom grado ser sua parceira, desde que Woland traga o Mestre de volta – porque ela não sabia aonde ele estava.

Na verdade, Margarida praticamente vende sua alma ao diabo e passa por situações bem estranhas para ter seu amor de volta. Ela se torna uma bruxa, se vinga daqueles que prejudicaram a publicação do livro do Mestre, toma um banho de sangue ela toma e participa do baile completamente nua – não que alguém percebesse essa nudez.

Aliás, essa parte na qual ela se transforma na bruxa e perde a vergonha da própria nudez é bem interessante!

E que fique claro! Todas as pessoas que sofrem na mão dele realmente tem uma índole ou um comportamento meio duvidoso. Além disso, sua influência não transforma ninguém da água para o vinho. A pessoa boa não se transforma em um monstro por conta do contato com Wolland. As pessoas só mostram quem são. É assim que o diabo age…

No fim (porque eu não vou te contar mais nada) todas as histórias paralelas se cruzam, num final tão inesperado quanto qualquer outra surpresa que você terá no decorrer dessa leitura.

E preciso te dizer, não dá para dizer que esse romance é entediante. Não dá!

O cruzamento entre realidade e ficção

O autor, Mikhail Bulgákov, utiliza várias referências religiosas, literárias, musicais e políticas para escrever essa história repleta de passagens engraçadas e assustadoras, especialmente se você pensar que muitos trechos fazem referência a episódios da vida real, do que realmente acontecia durante o governo stalinista.

Dá até para sentir o ambiente de censura, opressão e medo dos personagens através da história. Mas tudo é contado de uma forma mais leve e engraçada, já que o autor usa a literatura fantástica para narrar o realismo socialista.

E falando em realidade, o Mestre carrega muitas características do próprio autor, Mikahil Bulgákov, enquanto Margarida foi inspirada na sua esposa, Yelena Shilovskaya. Em algumas passagens, são citados episódios que mostram como ocorria a censura na produção artística e literária na época. As obras que não se encaixavam nas diretrizes do governo eram simplesmente censuradas e até queimadas.

Mas como diz a famosa frase desse livro “manuscritos não queimam”. A arte resiste ao medo!

Referências aos burocratas soviéticos, as tentativas de alteração e abafamento dos fatos, os desaparecimentos, a censura e algumas passagens que parecem dedicadas ao NKVB – serviço secreto soviético – também podem ser observados no romance, em passagens memoráveis.

O Mestre e Margarida. Behemot.
Ilustração: Behemot

Influências e impactos culturais em O Mestre e Margarida

Bulgakóv não tirou essa história do meio do nada. Como disse antes, ele utiliza várias referências religiosas, literárias, musicais e políticas na escrita desse livro. Uma das obras que mais influenciaram esse romance certamente foi o livro Fausto de Goethe, cuja citação abre o texto de O Mestre e Margarida.

Além disso, dizem que a ópera de Charles Gounod tem grande importância para a escrita desse texto.

E quem diria que além de ser influenciado, o autor também iria influenciar outras pessoas? O livro também inspirou a criação de músicas, como Sympathy for the Devil, dos Rolling Stones; a música Love and Destroy da banda Franz Ferdinand; e a ópera Der Meister und Margarita, que foi apresentada em 1989 na ópera em Paris.

E não podemos esquecer das diversas adaptações desse livro para a produção de peças teatrais, filmes e séries. Uma delas está disponível no Youtube e você pode acessar por aqui.

Materiais de apoio

Eu acho meio difícil ler esse livro sem consultar algum material de apoio, para entender o contexto histórico da época. Por isso, consultei alguns vídeos e textos após a leitura desse livro e vou compartilhar com você, caso também tenha interesse nessa leitura.

Lembrando que existem vários artigos, aulas, dissertações sobre o assunto. Isso aqui é só a amostra da amostra, mas você pode se aprofundar nesse assunto.

Vale a pena ler esse livro?

Esse é a história mais louca que eu já li na vida. A narrativa é rápida, bem fluida e de fácil leitura. Porém, o texto é bem complexo e permite a realização de várias associações, tanto com o período histórico quanto com outras obras literárias, como disse anteriormente.

Felizmente, fiz essa leitura em conjunto, num grupo de Leitura Coletiva, o que me ajudou muito por conta das discussões.

Mas preciso alertar que algumas pessoas do grupo não gostaram da narrativa fantasiosa, enquanto outras amaram os episódios engraçados e a sátira, especialmente nas passagens com o personagem Behemot. Ou seja, é um texto que divide opiniões.

Particularmente, achei tudo bem assustador, mas entendo a importância da obra e as críticas, muito interessantes por sinal, do autor em relação a época no qual vivia.

Por isso, recomendo sim essa leitura. Mas deixo o aviso – é uma história bem louca, viu? O material de apoio vai te ajudar a entender melhor o enredo.

Curiosa, apaixonada por livros e completamente consciente de que ainda tem muito a aprender. Aqui, compartilho um pouco desse universo!
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5 comentários em “Resenha: O Mestre e Margarida, Mikhail Bulgákov

  1. Amei tua resenha! Estava há tempos para ler esse livro e está sendo a história mais louca que já li, tal qual você descreveu!
    Ele é o segundo do meu desafio de 12 livros, mas não sei não, tô achando que já ganhou o posto de favorito do ano. 🙂

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